OS PAPARAZZIS NAS CELEBRAÇÕES EUCARISTICAS
Dom Edson Oriolo 1*
Tive a oportunidade de exercer o ministério sacerdotal em três paróquias mineiras cujas igrejas matrizes, ainda que não barrocas, eram antigas e se destacavam por seus traços arquitetônicos e belezas artísticas. Primeiramente, o Santuário de São Francisco de Paula, em Ouro Fino, como vigário paroquial; depois a Basílica do Carmo, em Borda da Mata, como Pároco e Reitor e, finalmente, a Catedral Metropolitana de Pouso Alegre, na condição de Pároco e Cura. Esses templos, fruto da dedicação e da
piedade das comunidades, que une gerações, são instrumentos na busca do transcendente e da própria santidade.
Nessas igrejas, com suas belezas artísticas peculiares – reunidas nos altares, sacrários, pinturas, revestimentos, adornos e mobiliário -, tornou-se comum, sobretudo a partir da década de 1990, encontrar fiéis com suas máquinas fotográficas, preocupados em registrar os momentos e os ambientes. São produzidas fotos e mais fotos. A popularização dos equipamentos para o registro de imagens contribuiu para o aumento dessa prática. Muitos fiéis tornaram-se verdadeiros paparazzi, armados de máquinas digitais, flashes e outros acessórios, à espreita de momentos únicos de beleza divina, relevados nas formas e liturgias ambientadas nas igrejas.
O Papa Bento XVI, em diversos contextos, analisou a relação intrínseca entre teologia e beleza. Ele nos ensina: “Uma beleza não aberta a Deus reclui o homem nele próprio e é capaz de levá-lo ao desespero ou a um espiritualismo sem estreita relação com Deus […] Os que creem devem mostrar a beleza de sua fé em autênticas cerimonias, sobretudo, em sua liturgia”. Ora, a experiência de Deus passará sempre pelo
exercício da contemplação. Por isso mesmo, são edificados belos templos para o culto a Deus e a Igreja busca nortear a sua liturgia pelo critério de “nobre simplicidade”.
Presentemente, vivemos uma realidade complexa, envolvida numa teia de tecnologia que nos absorve em ritmo acelerado e, muitas vezes, sufoca, modificando nossa cultura, relações humanas e mesmo os hábitos banais do dia a dia. Evidentemente, a tecnologia oferece oportunidades, avanços e perspectivas. No entanto, somos desafiados cotidianamente por um mundo congestionado por imagens. Somos flagrados e monitorados a todo o momento, com o auxílio da tecnologia digital. Os cidadãos do Reino Unido se tornaram os mais vigiados do mundo pelas câmaras de circuito fechado de televisão, segundo uma reportagem publicada numa edição da revista britânica The New Statesman.
Se por um lado, ao menos em tese, verifica-se a descoberta do valor de armazenar imagens, vídeos e colecionar registros em grande escala, graças à proliferação dos instrumentais tecnológicos, o que, sem dúvida, incentiva o aperfeiçoamento da tecnologia, nem sempre essa realidade coincide com um maior
interesse humanístico, cultural ou histórico. A sociedade digital é, sobretudo, uma sociedade do descartável, do instantâneo. Fotografar é moda, mas apreciar o “belo”, como que numa vivência sobrenatural, não se interliga, necessariamente, a essa prática.
Percebo, sem preconceitos, que muitos fiéis, em nossas celebrações, sobretudo nos momentos mais fortes como as festas de padroeiros, crismas, ordenações, são absortos pela enxurrada de equipamentos que impõem o novo modus vivendi da sociedade digital. Assim, os fiéis ocupam-se com algo estranho ao espírito da liturgia: perdem a oportunidade de vivenciar aquilo que pretendem capturar digitalmente.
A fixação pelas imagens não alimenta sensacionalismo, mas a autoglorificação. É uma permanente necessidade resumida na seguinte expressão popular: “Olha eu!” As mãos, destinadas a louvar a Deus, estão sempre sobrecarregadas com a parafernália de última geração. Os olhos já não contemplam, ocupados em encontrar enfoques e ângulos. A atenção, essencial para uma participação efetiva, “vai para o espaço”! Não interagimos com o belo nem nos envolvemos com a ação ritual. Em última instância,
não nos comprometemos com a vivência do sagrado. E não dedicamos atenção às relações com o outro, que é irmão.
Gradativamente, torna-se banal a incidência desse modismo em nossas comunidades. Corremos o risco de nos tornar paparazzi das celebrações eucarísticas, suplantando a identidade de membros de uma comunidade de fé. Quando participamos nos momentos celebrativos em nossas igrejas, é uma tentação sacarmos logo o celular, máquina fotográfica ou smartphone para capturar momentos, esquecendo que o
esplendor e a beleza que refulgem no rito litúrgico é sinal da beleza da entrega de Cristo por nós, realizada sacramentalmente, e do imenso e incessante amor de Deus por nós em Nosso Senhor Jesus Cristo, que se atualiza em dimensão kairótica, e não cronológica.
Sob esse aspecto, a realidade digital nos afasta mais do que nos une. Ao fotografarmos em nossas celebrações eucarísticas nos distraímos, e também atrapalhamos a concentração de outras pessoas. Na maioria das vezes, querendo valorizar e registrar imagens, acabamos esquecendo e deixando em segundo plano o mistério de Jesus Cristo. O tempo usado para registrar um momento faz com que deixemos de lado a expressão genuína da beleza divina, a presentificação sacramental de Cristo e a atualização do Mistério Pascal.
Mistério, no caso, não é algo secreto, escondido, de significado ou causa oculta, algo que não se pode explicar. Mistério é o desígnio (projeto, plano) eterno e misericordioso de Deus, agora revelado, realizado em Jesus Cristo, comunicado a todos os povos (cf. Rm 16, 25; Ef 3, 9; Col 1, 26-27; 1Tm 3, 16) e simbolizado através dos ritos litúrgicos. É algo que vai se revelando aos poucos. Transcende a materialidade e a nossa capacidade racional, pois é entendido e acolhido na fé.
Os sacramentos são momentos privilegiados do encontro entre Deus e o ser humano. Através dos sacramentos, participamos do mistério de Cristo, como corpo do Senhor ressuscitado. São sinais eficazes da graça, pois o próprio Cristo os instituiu, os confiou à Igreja e age em cada um deles (cf. CIC, 1131).
A celebração dos sacramentos abrange todas as etapas da existência humana, do nascimento até à morte, e é indispensável para alimentar a vida cristã. Nos sacramentos, o próprio Cristo Jesus nos comunica a sua plena comunhão com o Pai. Toda vida cristã desenvolve em torno dos sacramentos, especialmente o da Eucaristia.
Penso que uma alternativa pastoral para o desafio de se lidar com as tecnologias, considerando que é imprescindível para a Igreja manter-se também “conectada” com a realidade digital, seria o investimento específico na constituição das nossas Pastorais da Comunicação (PASCOM). A partir de um processo educativo, os fiéis poderão compreender que os agentes da PASCOM cumprirão, de forma consciente e oportuna, a missão de registrar e compartilhar nossas celebrações, os momentos fortes de vivência da fé, pautados nas orientações litúrgicas e na hierarquia de prioridades, no contexto de cada celebração.
Finalmente, para que nossas celebrações eucarísticas possam ser exclusivamente o lugar do “mistério de Deus”, manifestado pelos sacramentos, temos que investir para configurar, cada vez mais, as nossas igrejas em autênticos espaços de acolhimento, onde cada fiel tenha condições – em todos os momentos importantes da vida – para encontrar-se com Jesus e ser discípulo missionário. Assim, vamos vivenciar, registrar e eternizar o mistério da páscoa do Senhor, e deixar as fotografias para os outros momentos das
nossas vidas.
*1 Bispo Auxiliar na Arquidiocese de Belo Horizonte, escreve para várias revistas e periódicos sobre gestão eclesial, paróquias, pós humano, Pastoral Urbana e Pastoral do dízimo.
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