SÃO JOSÉ: CUIDADOR E PROTETOR DA MÃE E DO FILHO DE DEUS
Dom Edson Oriolo1
Desde criança tenho duas imagens de São José em minha memória: São José Operário (com ferramentas de marceneiro nas mãos) e a imagem com o Menino Deus no colo. Também tenho, em meus expedientes racionais, fragmentos das pregações do pároco da paróquia falando de São José: modelo de vida interior, cuidador do Filho de Deus, exemplo de trabalhador, homem justo, pessoa do silêncio. A visibilidade dessas imagens conduziu-me a ser devoto de São José desde minha infância. Depois que fui ordenado sacerdote, faço questão de rezar a missa votiva de São José às quartas-feiras. Uma mística do papa Leão XIII que chamou atenção da Igreja para dedicar o mês de março ao glorioso São José em todas as quartas-feiras, no mistério do sacrifício eucarístico, fazer memória dele. São José, aquele que cuida e protege Jesus Cristo!
São José é contemplado na literatura sagrada. Seu nome é expresso catorze vezes nos evangelhos – sete vezes em São Mateus, cinco vezes em São Lucas, duas vezes em São João -. Com frequência ele é mencionado em expressões como estas: seu pai, seus pais, o esposo de Maria, embora em vários lugares, sobretudo em São João, faça-se alusão à sua humilde profissão de carpinteiro: sinal de que os mais humildes empregos não são incompatíveis com as mais altas dignidades². A partir dos evangelhos, podemos perceber José, Filho de Davi, recebendo Maria como sua mulher, conferindo-lhe dessa forma a dignidade da paternidade legal de Nosso Senhor Jesus Cristo. Eram casados, mas não conviviam na mesma casa, mas Maria era considerada oficialmente a esposa de José (cf. Mt 1,20-21; Lc 1,34). São José, aquele que cuida e protege Maria!
A partir dessas duas motivações, pretendo comentar sobre São José com a nobre missão de cuidar e proteger a mãe e o filho de Deus.
José viveu em Nazaré, uma pequena cidade, vilarejo ou aldeia perto do Mar Mediterrâneo rodeada por montes. No tempo de Jesus residiam em Nazaré aproximadamente cerca de 200 pessoas, isto é, poucas famílias. Um lugar muito insignificante a ponto de se perguntar: “de Nazaré pode sair algo de bom?” (Jo 1,46). Mas foi nessa cidade que Jesus viveu trinta anos (cf. Lc 2,39-51; 4,16). Foi lá que ele atingiu sua maioridade, ensinou na sinagoga e também experimentou a rejeição por parte do povo (cf. Mt 13,54; Lc 4,16). Jesus nasceu em Belém, mas foi chamado de Jesus de Nazaré (cf. Lc 18,37). Essa realidade mostra o lugar onde José cuidou e protegeu Jesus e sua esposa Maria. Foi na simplicidade, mas com muito amor que José cuidou da mãe e do filho de Deus.
No entanto, podemos perceber que São José não veio do mundo das letras (escribas) e das leis (fariseus), da burocracia estatal (cobradores de impostos e saduceus) ou da classe sacerdotal ou levítica do templo. Nem pertence a grupos religiosos do tempo de Jesus (saduceus, herodianos, essênios, zelotes, fariseus) 3 .
São José era carpinteiro. Sendo assim fazia casas, telhados, cangas, móveis, rodas, prateleiras, bancos, carros de boi, remos e mastros; mas sabia também trabalhar com pedras, construindo, muros, sepulturas e terraços e manejava o ferro para fazer enxadas, pás, pregos e grades4 . São José foi um trabalhador de inúmeras atividades para sustentar o filho e a mãe de Deus!
No último dia 8 de dezembro, o Papa Francisco convocou o “ano de São José” para comemorar os 150 anos do decreto Quemadmodum Deus, assinado em 8 de dezembro de 1870, pelo Papa Pio IX, que declara São José padroeiro da Igreja católica. Neste dia, há dezesseis anos, havia sido proclamado o dogma da Imaculada Conceição (8 de dezembro de 1854).
O Papa Francisco começa sua carta apostólica “Patris Corde” – coração de pai, apresentando as preocupações dos evangelistas em falarem da vida de São José. São Lucas: “Todos lhe davam testemunho, admirando as palavras cheias de graça que saiam de sua boca. E diziam: “não é este o filho de José?” (Lc 4,22). São Mateus: “Este não é Jesus, o filho de José? Não conhecemos nós seu pai e sua mãe?” Sua mãe não se chama Maria, seus irmãos não são Tiago, José, Simão e Judas” (Mt 13,55). São Marcos: “não é ele o carpinteiro, o filho de Maria, irmão de Tiago, de José e de Simão? E suas irmãs não estão aqui conosco? E escandalizavam-se por causa dele” (Mc 6,3).
No entanto, os dois evangelistas que mais narram sobre São José são: Mateus e Lucas. Mateus organiza o relato da infância de Jesus a partir de São José. Essa organização faz referência à definição da messianidade davídica de Jesus. Assim, era essencial a presença de José, pois ele, efetivamente, descendia de Davi. E só ele, como homem, poderia passar a Jesus essa origem, após superar as dúvidas com referência à gravidez de Maria (cf. Mt 1,19-20)5 . Por outro lado, São Lucas escreve os relatos da infância, mas a partir de Maria. Ele herdou as informações sobre a infância de Jesus e sobre José diretamente de Maria, pois se refere a ela duas vezes (cf. Lc 2,19.51)6 .
Portanto, nos evangelhos de São Lucas e São Mateus, podemos perceber o cuidado e a proteção de José para com Nossa Senhora, a mãe de Deus, da Igreja e nossa. O anjo – o mensageiro de Deus – apareceu em sonho a José, pedindo-lhe para cuidar muito de Maria. Em sonho, o anjo pediu que ficasse com Maria, apesar de grávida, desse o nome a Jesus, fugisse para o Egito, e voltasse a morar em Nazaré (cf. Mt 1,20-21.24; 2,13; 2,19- 20).
São Lucas apenas diz que José, encontrando-a grávida, levou-a para a sua casa: “José – que era da casa e da linhagem de Davi – subiu da Galileia, da cidade de Nazaré, à Judeia, à cidade de Davi, chamada Belém, para registrar-se com Maria, sua esposa, que estava grávida” (Lc 2,4-5).
O casal José e Maria sempre aparecem juntos, em todos os eventos narrados. Mesmo assim, Maria ganha centralidade, como no caso da profecia de Simeão, dirigida a ela: “Simeão os abençoou e disse a Maria, sua mãe: ‘Este é destinado a ser causa de queda e de reerguimento de muitos em Israel, e a ser sinal de contradição’” (Lc 2,34). No templo, novamente, José com Maria “quando o viram, seus pais ficaram admirados, e sua mãe lhe disse: “Filho, por que agiste assim conosco? Olha, teu pai e eu andávamos angustiados à tua procura!” (Lc 2,48).
O evangelista São Mateus tem a enorme preocupação de revelar a paternidade legal de José para com Jesus. Ele quer provar, como peça fundamental, que Jesus é filho de Deus pela descendência de Davi: “Jacó gerou José, o esposo de Maria da qual nasceu Jesus, que é chamado Cristo” (Mt 1,16).
José se torna juridicamente pai de Jesus e assim o insere em sua genealogia davídica. Jesus, através de José, é filho de Davi e, sendo filho de Davi, também é o verdadeiro Messias. Dessa forma se cumpre a profecia de Isaías 7,14, segundo a qual o Messias nasceria de uma virgem ou jovem mulher.7 Era obrigação natural do pai cuidar e proteger o filho. O pai tem a grande responsabilidade de promover as necessidades do filho, além de criar, cuidar, proteger e demonstrar-lhe um amor que transcende.
Em São Mateus, podemos perceber que Jesus é filho de José (cf. Mt 1,21), Filho de Davi (cf. Mt 1,16,18,20) e José transmite ao menino, mediante a imposição do nome Jesus (cf. Mt 1,21), a linhagem davídica.
Essas passagens da Sagrada Escritura revelam o verdadeiro cuidado e a proteção de José para com mãe e o filho de Deus. Leonardo Boff diz que a palavra cuidar origina-se do cogitare, está vinculada à atitude de preservar, zelar, manter vivo e em condições de plenitude e liberdade para autocuidar-se (cf. Boff, 2000). Podemos dizer que José foi capaz de acolher, ajudar, escutar, defender, apoiar, proteger, tomar conta de Maria e de Jesus.
Na carta apostólica Patris Corde – Coração de pai, Francisco lembra de José como um verdadeiro cuidador e protetor, quando o descreve: pai amado, pai na ternura, pai na obediência, pai no acolhimento, pai com coragem criativa, pai trabalhador e pai na sombra.
São José, pai amado. Foi um esposo exemplar e um pai amoroso para com seu filho Jesus, principalmente pela vida de serviço ao mistério da encarnação. Exemplo de fidelidade, abraçou totalmente sua missão no exercício da profissão, na comunidade e na família. Vivenciava tudo com muito amor. José acompanhou Jesus em muitos momentos na sinagoga e no seguimento às tradições judaicas.
São José, pai na ternura. A ternura de Deus foi manifestada em José pelo carinho que tinha para com Jesus e Maria. Acredito que José acompanhava sempre Jesus e Maria pelas andanças em Nazaré. Jesus era muito obediente aos pais (cf. Lc 2,51) e passou pela escola dos sentimentos e das emoções bem realizadas e bem integradas, que nos permitem entender sua personalidade singular, marcada simultaneamente pela ternura e pelo vigor, pela paixão pelos outros e pela paixão por Deus, pela coragem de proclamar a sua verdade e, se preciso, romper com a tradição. 8
Pai na obediência. José, agindo em conformidade com os pedidos do bom Deus, salvou Maria não difamando e nem a abandonando. Deslocou-se com Jesus e Maria para o Egito, voltou para Israel e, na obediência, foi capaz de observar as prescrições da lei: os ritos da circuncisão. A família segue estritamente a tradição. Aos oito dias do nascimento (cf. Lc 2,21), o menino é circuncidado e ganha um nome, dado por seu pai, José. Quarenta dias após, levam Jesus ao Templo, em Jerusalém, para ser consagrado a Deus. Na obediência, “Jesus crescia em sabedoria, estatura e graça diante de Deus e dos homens” (Lc 2,52)
São José, pai com coragem criativa. As dificuldades fazem cada um de nós contar com recursos que nem pensávamos ter. São José sabe transformar um problema numa oportunidade. Arranja um estábulo e prepara o lugar para Maria trazer o Menino Deus para a história da humanidade. Transformando o problema em oportunidade, José foge para Egito, cuidando e protegendo Maria e Jesus. É muito criativo para cuidar, proteger, defender, orientar e zelar pela sagrada família.
São José, pai trabalhador. Trabalhou honestamente para garantir o sustento de sua família. Guardou, protegeu o filho e a mãe de Deus. Soube amar de maneira extraordinariamente livre, colocando Maria e José no centro da vida.
São José, pai na sombra. José, cuidando do Redentor, entrou silenciosamente nos mistérios de Jesus, tornando-se o depositário dos mistérios de Deus que, com Maria, cuidou e protegeu, apontando-nos um caminho para crescer cada vez mais na fé. Ele cuidou e protegeu a harmonia, a união, o amor e a sensibilidade de um filho para com sua mãe. Assim, entendemos que podemos recorrer cada vez mais a José como intercessor junto de Deus para continuar sendo protetor da Igreja, que é o prolongamento de seu filho amado e tem uma mãe intercessora.
São José não teve medo, receios, dúvidas e nunca deixou de ser fiel a Deus cuidando da Mãe e do Filho de Deus. Que nós possamos seguir esse mesmo caminho.
Como nos ensinou o Papa São João Paulo II, na exortação apostólica Redemptoris Custos, n. 5, sobre a figura e a missão de São José na vida do cristão e da Igreja, ele é depositário do mistério de Deus: “Ele tornou-se, portanto, um depositário singular do mistério mantido oculto desde sempre nele, o criador do universo (cf. Ef 3,9), como se tornara Maria, naquele momento decisivo que é chamado pelo apóstolo ‘plenitude dos tempos, quando Deus enviou o seu Filho, nascido de mulher[…] para resgatar os que encontravam sob o jugo da lei e para que recebêssemos a adoção de filhos’ (Gl 4,4-5)”
No entanto, toda a vida de São José foi dedicada aos cuidados dos amados de Deus, a sua esposa Maria e seu filho Jesus. José tornou-se o verdadeiro guardião da Sagrada Família com inúmeras ações para proteger e cuidar desses dois presentes que recebeu dos céus. A partir desse seu ministério somos chamados a ter um carinho especial para com esse homem, que pode ajudar-nos a crescer na devoção a Maria e na experiência do encontro com o Pai através de Jesus Cristo, o verbo encarnado.
Na história da Igreja muitos santos e pessoas comprometidas dedicaram reflexões sobre São José: Santo Hilário (367), Santo Ambrósio (397), São Beda (735), o franciscano e notável pensador João Pedro Olivi (1298), São Francisco, Santa Margarida de Cortona (1297), o teólogo de Paris Jean Gerson ( 1428), São Bernardino de Sena (1444), São Vicente Ferrer (1419) e Jean (1453), Bernardin de Laredo (1535), André de Soto (1625), Francisco Suárez (1617), Santa Teresa d”Ávila (1582), São João da Cruz e muitos papas de maneira especial Pio IX, Pio X, Pio XI, Pio XII, Leão XIII, Bento XI, João XXIII, Paulo VI, João Paulo II, Bento XVI e atualmente o Papa Francisco9 .
Diante do exposto, afirma-se que, ao render culto a São José, estamos progredindo na devoção a Maria e na verdadeira comunhão com seu filho Jesus.
São José intercedei a Deus por nós.
Referência Bibliográfica
A VIDA DE SÃO JOSÉ, associação de Adoração continua a Jesus sacramentado, Livraria Francisco Alves, Rio de Janeiro 1927. BOFF, Leonardo. São José.
São Paulo: Editora Vozes, 2005 CLÁ, Mons. João Scognamiglio. São José: Quem o conhece?, Instituto Lumen Sapientiae, São Paulo, 2017. FRANCISCO, Papa., Carta Apostólica Patris Corde por ocasião do 150 anos da declaração de são José como padroeiro universal da Igreja.
JEREMIAS, J. Jerusalém no tempo de Jesus: pesquisas de história econômico-social no período neotestamentário. São Paulo: Paulinas, 1986. RAVINA, Pe. Tarcisio M., São José, Caxias do Sul, Edições Paulinas, 1954. JOÃO PAULO II. Redemptoris Custos. Exortação apostólica sobre São José, 1989. LÉPICIER, Cardeal Alexis Marie. São José, esposo da Santíssima Virgem Maria. Campinas, Ecclesiae, 2014
111 Bispo da Igreja Particular de Leopoldina MG
2 Cf. LÈPICIER, Cardeal Alexis Marie, São José Esposo de Maria, Ecclesiae p. 282.
3 Cf. BOFF, Leonardo. São José, São Paulo, Editora Vozes, 2005, p. 44.
4 Cf. BOFF, Leonardo. São José, São Paulo, Editora Vozes, 2005, p. 45.
5 Idem, p. 90-91.
6 Idem, p. 91-93.
7 Idem 101
8 Idem 77
9 BOFF, Leonardo. São José, São Paulo: Editora Vozes, 2005 pág. 129-146