Jubileu da Misericórdia
No dia 8 de dezembro passado, o Papa Francisco abriu solenemente o Ano Santo da Misericórdia, para comemorar o maior evento do século 20, a conclusão do Concílio Ecumênico Vaticano II, chamado “o Pentecostes dos tempos modernos”, “o catecismo”, que atualizou para o homem de hoje os perenes ensinamentos do Evangelho. Neste dia, foi aberta a “Porta Santa” na Basílica de São Pedro em Roma e no domingo seguinte a porta de todas as catedrais do mundo. A tradição bíblica (Lv 25 e Lc 4,19) fala do “Ano Jubilar”: um tempo de alegria e gratidão a Deus e uma ocasião para o povo de Deus se exercer na partilha dos bens para com as categorias mais pobres e marginalizadas da sociedade. No ano de 1300, o Papa Bonifácio VIII resgatou esta tradição bíblica. A partir de então a Igreja celebrou 25 Anos Santos ordinários e 3 extraordinários.
O Papa Francisco, desde o início de seu pontificado, vem falando da misericórdia de Deus: “Deus é misericordioso e não se cansa de perdoar” – recordou em diversas ocasiões. Seu lema episcopal “miserando atque elegendo” (tendo misericórdia, me escolheu), fazia referência à vocação de Mateus (Mt 9,9) e à sua própria experiência de ter sido objeto da misericórdia divina e do estilo pastoral, que ele queria imprimir à sua missão de bispo. Várias vezes convidou povos e governantes a superarem divisões, ódios e indiferença… O jubileu – na intenção de Francisco – deve ser um “tempo favorável” para transformar “muros” em “pontes”. A reforma da Igreja e da humanidade – na convicção do Papa Francisco – não decorre de maneira automática da alteração de estruturas, mas de mudança de atitudes, da “metanóia”, isto é, da “conversão”, pregada pelos profetas, mormente, por João Batista e por Jesus. Até mesmo o Divino Mestre fez dela o fundamento e o centro de sua pregação missionária.
O Jubileu da misericórdia quer ser um apelo à Igreja inteira para renovar-se a partir daquilo que é a sua essência: ela é, acima de tudo, obra da graça e da misericórdia divina e não de convenções e decisões humanas: “Deus nos amou por primeiro, dando-nos a vida em Cristo” (Ef 2,4). Uma das principais metas deste Ano Santo Extraordinário é a busca da reconciliação com Deus e com o próximo. Essa é a condição para se ter verdadeira paz: “Em nome de Cristo rogamos: reconciliai-vos com Deus” (2Cor 5,20). Não apenas os cristãos precisam de reconciliação e perdão; é a humanidade inteira que necessita de misericórdia e de paz. A justiça deverá ser sempre respeitada e promovida. A estrita justiça, porém, não é capaz de curar feridas, placar ódios, eliminar vinganças e a sede de violência, geradoras de mais conflitos e opressões. A misericórdia, parte da essência de Deus, faz parte integrante da vocação daqueles que acreditam em Deus: neles a misericórdia experimentada pede para ser transformada em comportamentos e atitudes de vida.
“Sede misericordiosos, como o vosso Pai Celeste é misericordioso” (Lc 6,36); “bem-aventurados os misericordiosos, pois obterão misericórdia” (Mt 5,7) – proclamou Jesus no Sermão da Montanha. Na vida pública, narrou a parábola do servo cruel (Mt 18,23-35), do filho prodigo (Lc 15,11-35), do rico epulão (Lc 16,22-23); na oração do Pai Nosso (Mt 6,9-13) afirmou que o Pai Celeste nos perdoa na medida em que perdoamos a quem nos ofendeu e prejudicou. A Igreja, na linha desde ensinamento, recomenda a prática das 7 obras de misericórdia corporais e espirituais, pois ela entende que a vida cristã não pode ser reduzida a manifestações rituais, que às vezes escondem um abismo de hipocrisia, nem a pregações moralistas, sempre humilhantes, nem a posturas ideológicas, todas discriminatórias e intolerantes, mas consiste sobretudo em fixar o olhar da nossa fé em Jesus Cristo crucificado, “autor e consumador da fé” (Hb 12,2).
As obras de misericórdia, recomendadas pela Igreja, são ações concretas, orientadas para pessoas reais, em situações reais: dar de comer a quem tem fome, de beber a quem tem sede, vestir a quem está sem roupa, visitar e assistir a quem está doente ou na cadeia, abrigar a quem está sem casa, confortar a quem vive na aflição, na dor e no luto… Nas palavras de Jesus, a prática dessas ações será decisiva na derradeira prestação de contas que todo ser humano um dia deverá fazer perante Deus: “Todas as vezes que o fizestes, ou deixastes de fazer, foi a mim que o fizestes, ou deixastes de fazer” (Mt 25,31-46). A “Porta Santa” é o sinal de Cristo, “a Porta” das ovelhas (Jo 10,9); ele quer nos introduzir nesta nova maneira de viver, baseada na misericórdia, que se for vivida e praticada, tem o poder de salvar o mundo. É a misericórdia, de fato, a verdadeira grandeza e dignidade de todo ser humano.
Pe. Ernesto.