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A GRANDE CIDADE

A GRANDE CIDADE

Duas páginas bíblicas compõem um dos mais curtos e emblemáticos livros daquela coletânea sagrada. Falam de uma grande cidade corrompida pelo pecado e pelas tantas maledicências comuns ao gênero humano. Falam de Jonas, o profeta que, bem ou mal, foi o instrumento de salvação daquele povo. Falam, direta ou indiretamente, das ameaças de destruição a que se submetem grandes aglomerações urbanas quando delas expulsam Deus e aclamam o Outro como senhor e diretor de seus destinos. Tão grande como as maiores megalópoles dos dias atuais – “eram precisos três dias para a percorrer” – Nínive tornou-se símbolo da decadência moral dos grandes aglomerados urbanos, mas também exemplo de como uma voz profética pôde restaurá-la.

Acontece que, num mundo globalizado, a contextualização urbana não impõe limites ao comportamento humano. O mundo é uma grande cidade. A missão da qual Jonas tentou fugir tem hoje um caminho difuso, mas com destino bem definido por Cristo: “o mundo todo”. Foi essa a referência de Jesus contra o comportamento pecaminoso da sociedade de sua época: “Esta geração  adúltera e perversa pede um sinal; mas não lhe será dado outro sinal do que aquele do profeta Jonas” (Mt 12,39). Se, pois, a vida desregrada da civilização moderna nos preocupa e levanta questões em nosso íntimo (é preciso fazer alguma coisa!), não façamos como Jonas, que vacilou vergonhosamente.

Aliás, Jonas estava mais para avestruz do que para profeta. Ao receber a incumbência divina de advertir os moradores da cidade pervertida, este correu… mas para o lado oposto da cidade. Embarcou em um navio e se escondeu em seu porão, temendo a fúria de uma tempestade circunstancial. Descoberto e apontado como responsável pela situação de perigo, foi jogado ao mar. Deus o recolheu através de uma baleia e o devolveu às praias próximas a Nínive, três dias depois de muita angústia e reflexões, prisioneiro no ventre daquele animal. Por certo, qualquer desafio que venha do alto, das estirpes divinas, sempre há de causar pânico, insegurança, medo em qualquer frágil criatura, prisioneiro que está no ventre da terra. Nós desistimos Dele, mas Deus nunca desiste de nós. Podemos fugir das vistas humanas, mas nunca da vista de Deus. Ponderou um dia Santo Agostinho: “Naturalmente ignoram que estais em toda parte, e que nenhum lugar Vos circunscreve, e que Vós estais na presença dos que divagam longe de Vós”. (Confissões). De uma forma ou de outra, àqueles que recebem o dom profético de “unir a Cidade de Deus às cidades dos homens”, de construir uma civilização de Amor, de criar “um novo Céu e uma nova Terra” ou separar luz e trevas, serão sempre municiados por Deus. É lógico, com munições capazes de salvar, nunca tirar vidas. Agostinho via nessas duas dimensões não um confronto, mas a necessidade de unidade entre Igreja e Estado. O poder espiritual caminhando com o poder temporal.

Essa é a missão cristã diante do confuso cerco que humanos fazem a si mesmos, nos dias atuais, sem encontrarem sentido para o sinal de Jonas. Ah, bendito sinal! Anúncio de vida nova, ressurreição… O único que nos deixou Cristo; a certeza de vitória final. Pudessem os profetas do nosso século terem bem presentes esse sinal em suas vidas. Pudesse esse sinal animar discípulos e missionários a subir morros e favelas, descer montanhas de intolerância e descaso, percorrer avenidas, ruas e becos da insegurança, galgar prédios do individualismo, penetrar barracos da indiferença, destruir penitenciárias e construir escolas… Fuzis e metralhadoras não escolhem suas vítimas. Pudessem as forças pacificadoras levarem pão… e não balas. A escola de samba desfilar sua harmonia numa parada militar. Pudéssemos acreditar mais em nós mesmos e a grande cidade que hoje nos assusta, voltaria a ser tão maravilhosa quanto a Jerusalém Celeste. Então Deus poderia sussurrar em nossos ouvidos: “E então, não hei de ter compaixão da grande cidade”?… (Jon 4,11).

Pesemos nossa responsabilidade missionária nesta história toda.

WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br

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